Capítulo 15
Distrofia muscular de Duchenne: acompanhamento de adultos
O QUE DEVEMOS TER EM CONSIDERAÇÃO NO PROCESSO DE TRANSIÇÃO DOS DOENTES DMD PARA OS CUIDADOS DE SAÚDE ADULTOS?
E. Lasheras Soria
A passagem para a idade adulta de um doente jovem com uma doença crónica e altamente complexa como a DMD é um momento significativo no processo clínico e na história de vida da pessoa e da sua família. Esta transferência pode envolver um luto, não só da parte do doente, como também da parte da sua família e do profissional de saúde.
Nos cuidados de saúde, o termo «transição»1 é usado para descrever o processo de planeamento e preparação da passagem dos cuidados pediátricos para os cuidados adultos; e o termo «transferência», no procedimento de passagem do doente para o sistema adulto. A transição é um processo gradual de mudança que dá tempo a todos os intervenientes de garantirem que os jovens e as suas famílias estão preparados e se sentem capazes de fazer a passagem para o sistema adulto.
Transição
O processo de transição tem como missão, por um lado, preparar o doente no conhecimento e gestão da doença, através de programas de capacitação e ensino em autocuidados, oferecendo cuidados de saúde de qualidade, adequados à idade, cultura e desenvolvimento e que sejam sensíveis e relevantes para as suas necessidades. E, por outro lado, dar apoio e orientação através do aconselhamento no conhecimento da rede de adultos, de modo a ajudar a desenvolver competências na tomada de decisões, no autocuidado e nas decisões da sua vida futura.
Transferência
O processo de transferência de doentes com DMD desafia os modelos mais tradicionais de gestão de cuidados, devido à necessidade de cuidados de várias especialidades médicas e ao apoio de diferentes níveis e áreas de cuidados relacionados com o sistema de saúde e com o sistema social2. É, portanto, essencial concentrar a intervenção na coordenação e colaboração dos diferentes prestadores e sistemas (de saúde e social) para garantir a continuidade dos cuidados ao doente, a sua segurança na transferência para o sistema de saúde adulto e a integração no ambiente social e comunitário.
A transição dos cuidados pediátricos para os cuidados adultos não deve ser uma mera formalidade administrativa, devendo antes basear-se num compromisso de assegurar a melhor continuidade de cuidados médicos e psicossociais ao doente, e permitir que a pessoa desenvolva as suas capacidades e obtenha o melhor bem-estar possível, independentemente do seu estado, doença e grau de incapacidade.
Estas colaborações entre os dois sistemas, especialmente nas patologias menores, representam uma oportunidade para compreender melhor a evolução destas doenças e para gerar uma rede de conhecimentos e experiências que permita uma melhor abordagem, cuidados e tratamento.
COMO É O ACOMPANHAMENTO DE DOENTES ADULTOS COM DMD?
N. Muelas Gómez
Graças aos avanços na gestão cardiorrespiratória, é maior o número de doentes com DMD que atinge a idade adulta3. O acompanhamento deve seguir os mesmos princípios da gestão-padrão4-6, incluindo a gestão multidisciplinar, embora esta não seja tão bem definida como na fase pediátrica e juvenil7. O doente adulto com DMD está numa fase tardia não ambulatória, na qual coexistem numerosas comorbilidades, sendo recomendável ter um clínico com experiência na área que coordene os cuidados abrangentes do doentes e facilite o acesso aos cuidados4-6. Os corticoides devem ser mantidos na fase não ambulatória, se possível, pois preservam as funções motora dos membros superiores, respiratória e cardíaca e reduzem a incidência de escoliose grave8. Os efeitos secundários mais comuns nos adultos são a aparência cushing, as fraturas vertebrais sintomáticas e as cataratas8. A saúde óssea deve ser monitorizada nesta fase e a osteopenia/osteoporose deve ser tratada adequadamente. A função motora nos membros superiores diminuirá progressivamente, mas preservar uma função mínima dos dedos é de grande importância, pois permite gerir, de forma autónoma, uma cadeira de rodas ou outros dispositivos tecnológicos que conferem autonomia ao indivíduo. A maioria dos doentes adultos requer ajustes na cadeira como, por exemplo, os acessórios de apoio da cabeça8. Nesta fase, a cardiomiopatia torna-se sintomática e pode ser necessário, além do tratamento farmacológico, o implante de desfibriladores automáticos ou de dispositivos de assistência do ventrículo esquerdo ou ponderar o transplante cardíaco5.
A gestão respiratória é essencial, dado o desenvolvimento sistemático de insuficiência respiratória restritiva desde a adolescência. Recomenda-se seguir as diretrizes, sendo necessário suporte ventilatório, o qual no início é não invasivo e noturno, mas que, com a evolução, passa a ser usado de forma contínua até finalmente ser necessário suporte invasivo com traqueostomia4,5.
As dificuldades em mastigar, engolir e falar são comuns e exigirão adaptações dietéticas e tratamentos terapia da fala8. Manifestações digestivas como o refluxo gastroesofágico e a obstipação são também habituais e devem ser abordadas com medidas higiénico-dietéticas e farmacológicas. A dor e a fadiga são comuns e reduzem a qualidade de vida do doente, devendo ser tratadas em conformidade8. Outros aspetos importantes são a abordagem psicológica, as questões relacionadas com a socialização e a sexualidade e a educação/inserção laboral6,7. A realização de estudos de história natural e ensaios clínicos deveria ser fomentada, assim como a participação do doente DMD adulto nos mesmos. Na fase final da doença, é necessário assegurar os cuidados paliativos e assessorar na tomada de decisões de vida6,7.
QUAIS AS CARATERÍSTICAS E DIFICULDADES PSICOSSOCIAIS DO DOENTE ADULTO COM DMD?
I. Zschaeck Luzardo
A vida adulta é uma das fases mais longas do ciclo de vida de uma pessoa e aquela em que realizamos o nosso projeto de vida: formar família, escolher e exercer uma profissão, etc.
Temporalizar a ideia de futuro, no contexto de uma doença degenerativa, pensando em questões como dependência, incapacidade motora e morte prematura, gera frequentemente muito sofrimento e ansiedade9.
A tendência do doente DMD para a introversão, juntamente com a sua dificuldade em colocar questões que podem causar sofrimento à família, significa que as questões e receios sobre estes assuntos ficam no domínio «privado»10, pelo que os especialistas e a família devem tomar a iniciativa e incentivar o diálogo no sentido de os esclarecer.
Durante a fase pediátrica (infância/adolescência), devemos ajudar o doente e os seus pais a detetar mudanças e sintomas, a entender as suas implicações e dar-lhes informações sobre os recursos, passos e prazos que serão necessários para gerir essas mudanças9.
Outro aspeto importante nos cuidados dos doentes com DMD é assegurar uma boa coordenação na transição do hospital pediátrico para o hospital adulto, acordando critérios de tratamento baseados em diretrizes clínicas que promovam, da parte do doente, uma boa adesão de aspetos como a ventilação não invasiva e os cuidados cardíacos11.
Na idade adulta, há uma maior consciência das limitações perante um tempo que «se encurta», o que desencadeia perguntas sobre o sentido da vida10, o seu próprio valor e papel na família e sociedade: amizades, relacionamentos e relações sexuais, pertinência de estudar se o acesso ao emprego é pouco provável, quem cuidará do doente DMD se os seus cuidadores principais adoecerem, medo da morte, cuidados paliativos, entre outras questões10.
No doente adulto, são comuns a ansiedade e a depressão, as quais exigem atenção e tratamento precoce por parte de especialistas em saúde mental, como parte essencial dos restantes cuidados médicos. É importante estar vigilante e não subestimar quaisquer sinais de mudanças de humor (apatia, irritabilidade, dificuldade em dormir e tristeza), para que o doente e a família tenham acesso a recursos de apoio emocional que lhe permitam sentir-se mais preparados para falar de possíveis complicações, medos e desejos de fim de vida.
BIBLIOGRAFIA
1. U.S. Government, Health Resources and Services Administration, Department of Health and Human Services. Got transition [Internet]. U.S. Government, Health Resources and Services Administration, Department of Health and Human Services [consultado: enero 2020]. Disponible en: https://www.gottransition.org/
2. NICE. Transition from children’s to adults’ services for young people using health or social care services. NG43. Londres: National Institute for Health and Clinical Excellence; 2016.
3. Eagle M, Baudouin SV, Chandler C, Giddings DR, Bullock R, Bushby K. Survival in Duchenne muscular dystrophy: improvements in life expectancy since 1967 and the impact of home nocturnal ventilation. Neuromuscul Disord. 2002;12(10):926-9.
4. Bushby K, Finkel R, Birnkrant DJ, Case LE, Clemens PR, Cripe L, et al. Diagnosis and management of Duchenne muscular dystrophy, part 1: diagnosis, and pharmacological and psychosocial management. Lancet Neurol. 2010;9(1):77-93.
5. Birnkrant DJ, Bushby K, Bann CM, Alman BA, Apkon SD, Blackwell A, et al. Diagnosis and management of Duchenne muscular dystrophy, part 2: respiratory, cardiac, bone health, and orthopaedic management. Lancet Neurol. 2018;17(4):347-61.
6. Birnkrant DJ, Bushby K, Bann CM, Apkon SD, Blackwell A, Colvin MK, et al. Diagnosis and management of Duchenne muscular dystrophy, part 3: primary care, emergency management, psychosocial care, and transitions of care across the lifespan. Lancet Neurol. 2018;17(5):445-55.
7. Rahbek J, Steffensen BF, Bushby K, de Groot IJ. 206th ENMC International Workshop: Care for a novel group of patients - adults with Duchenne muscular dystrophy Naarden, The Netherlands, 23-25 May 2014. Neuromuscul Disord. 2015;25(9):727-38.
8. Ricotti V, Ridout DA, Scott E, Quinlivan R, Robb SA, Manzur AY, et al. Long-term benefits and adverse effects of intermittent versus daily glucocorticoids in boys with Duchenne muscular dystrophy. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2013;84(6):698-705.
9. Rolland J. Familias, enfermedad y discapacidad. Una propuesta desde la terapia sistémica. Barcelona, España: Editorial Gedisa; 2000.
10. Abbott D, Prescott H, Forbes K, Fraser J, Majumdar A. Men with Duchenne muscular dystrophy and end of life planning. Neuromuscular Disorders. 2017;27:38-44.
11. Hamdani Y, Mistry B, Gibson B. Transitioning to adulthood with a progressive condition: best practice assumptions and individual experiences of young men with Duchenne muscular dystrophy. Disabil Rehabil. 2015;37(13):1144-51.